A fuga do João
Saí de casa apressado, enervado, exaurido… É hoje!!
Não quero ouvir mais os gritos da mãe dela, os ralhos, os nervos, as “descascas”… mais nada!! Acabou!! Chega!!! Basta!!!! Finito!!!
Entrei no café, cheio de tristes que falavam sorridentes
E eu mais um…
Lá veio o barman – outro triste – servir-me a imperial. A primeira de muitas que tinham como missão, fazer-me ir embora de uma vez ou voltar com o rabinho entre as pernas.
E sendo assim..
- Ó amigo!!! É mais uma ‘faxafor’…
(eu nem acredito que disse isto… ‘tou ‘mêmo mal, pá…)
Tou farto!!
Farto do mesmo rabo de cavalo, da cara cansada quando chego bem tarde, do sorriso meigo e do olhar apaixonado, quase devoto.
Daquela porcaria de vontade de me agradar, do fatinho de treino coçado, dos chinelos e da cara deslavada… a envelhecer todos os dias… que injustiça!!!
E agora mais gorda ainda por cima…
O “amigo” continuava a ser um triste e a trazer-me imperiais umas atrás das outras, com olhar sorridente… e eu a matutar…
Hoje é o dia em que finalmente, já não volto. Vou-me embora e pronto!!
Tou farto!!!
Farto do amor domingueiro, com a miúda a bater á porta, de ver TV na cama, dos bolos deliciosos, dos almoços deliciosos, dos jantares deliciosos… da tua boca deliciosa… do teu corpo quente e doce… (és doce, sabias?...)
É pá, mas porquê, pá????
Passei-me dos carretes e liguei á Joana.
- Tás sozinha? 'Blá blá bá e rebébéu pardais ao ninho'…
Ela disse logo que sim, claro… é só eu querer… coitada… boa ‘cumó’ milho, mas burra que nem uma porta. Mas boa…
- Ficas cá fora que eu vou ter contigo, pode ser bebé? Já sabes… não quero problemas com a Maria… (até pareço um gajo que se importa, bah)
Vinte minutos depois saí assim meio ‘turvo’ da companhia dos tristes sorridentes e procurei-a com o olhar pela rua. Só vi as pernas… Nem tirei mais os olhos das pernas e toquei-lhes com prazer, apertei-as com prazer… afastei-as… com prazer…
- Ai Joana… sabes-me tão bem… sabes-me a pouco… que saudades…
E passado uma horita… já com cigarrinho fumado e tudo…
(Ai Joana, és como o mar… és bela… mas enjoas um bocado) – isto pensei eu…
- Tenho que ir, querida, sabes como é… é a vida… (isto disse eu com uma última olhadela ás pernas, á laia de despedida).
Agora na rua, endireitei a gola do casaco e continuei a cogitar…
-F***-se estou farto daquela gaja, pá… e das desconfianças, das traições… e de gostar de caminhar com ela á beira-mar e das gargalhadas que damos juntos… e ainda por cima tá a ficar feia… Não volto, pá!! Foram precisas umas quantas cervejas pra me sentir convencido. Mas tá decidido!! Eu, João, vou-me embora de vez!!!
E comecei a caminhar… ao longo da rua… calmamente (mas decidido), assim um pouco atordoado (mas muito decidido)… na boca ainda tinha o sabor da Joana e foi decididamente que parei á porta do prédio, subi a escada ofegante, entrei em casa... ofegante... e procurei-a com medo que tivesse sido ela a ir-se embora.
Estava deitada a ler…
- Então? Foste espairecer?
(perguntou com aquele sorriso meio calmo, meio ansioso)
Eu não respondi… mas olhei-a…
Não falei… mas olhei-a…
Os meus olhos estavam a gritar, mas ela não ouvia… acho eu.
-Maria!!! Eu não te traí!!! Foram só umas pernas, sem palavras, sem história… só pra provar a mim próprio que não morri, percebes? Eu quero ter a certeza que ainda consigo NÃO resistir a umas pernas, tás a ver?... Mas não te traí… minha Maria...
Ela, do meio do meu silêncio, sussurrou…
- Vem cá…
Quase me assustei quando ouvi a minha voz arrastada e mentirosa, como sempre:
- Maria… desculpa… atrasei-me no café dos tristes…
E o meu pensamento que gritava tão alto e ela não ouvia… como era possível ela não ouvir… os meus olhos também gritavam… - Maria… da próxima vez que fugir… garanto que te levo comigo…
Só me lembro do seu abraço antes de adormecer… o que eu adoro o teu abraço, Maria…
Paula AbrEu
em 28/2/2012
(para acompanhar esta história, escolhi Snow Patrol - Called Out In The Dark, porque gosto e porque me apeteceu. ;)))) Partilhar
Sem comentários:
Enviar um comentário