O almoço é solitário na salinha pequena do escritório. Fui eu que o fiz ontem á noite. Deixei tudo preparado e mais uma pêra para o lanche que a vida não está para restaurantes. Dou inicio ao "banquete" e procuro no saco, o livro que me anda a fazer companhia, quando cai ao chão, o marcador. Pego-lhe e releio uns rabiscos que lá escrevi um dia destes:
“Bocas que ofendem, que pecam, que beijam
Que murmuram um credo...
Mãos que afagam, que abraçam, que tocam
Ou que batendo no peito, assumem:
Minha culpa, minha culpa, minha tão grande culpa”
Palavras soltas á espera de um início e de um fim, se estes se resolverem a surgir, caso contrário continuarão a ser apenas, uns rabiscos num marcador de livros.
A seguir ao almoço gosto de ir dar uma volta pela Vila. Está frio e sabe-me bem o casaco quente e o cachecol assim como me sabe bem cumprimentar várias pessoas com quem me cruzo pelo caminho. Nesta terra não há solidão. Reparo na montra do fotógrafo e dá-me vontade de rir, quando a vejo cheia de fotos de noivas em poses sexy, com olhares lânguidos e pernocas á mostra mostrando a liga… tudo muito sexy para vestidos tão brancos e puros. Esboço um sorriso que não consigo conter quando o fotógrafo, já entrado na idade, me acena educadamente da porta:
- Boa tarde, menina. Está frio não está?
Passam-me as coisas mais incríveis e cómicas pela mente - esta mente que não domino.
– Está sim senhor!
E ele fica a olhar com aqueles olhinhos pequeninos e brilhantes, algo maliciosos até. Livra! Se me casasse agora não o queria para repórter fotográfico – penso eu divertida – ou talvez sim.
Olho em volta, sinto o burburinho, cheiro o frio e aconchego-me um pouco mais no casaco. "Isto é bom" – penso eu. E dou comigo a valorizar o presente. Constato que este povo que tanto aprecia criticar, quase como se fosse dono da verdade, nem se permite apreciar o que tem, limitando-se a temer um futuro cada vez mais incerto e apoiando-se num passado cada vez mais longínquo e turvo, cheio de nevoeiro denso e sem Reis salvadores perdidos lá dentro.
Torno a olhar a montra das fotos mas desta vez já só vejo a esperança nos olhos das modelos noivas.
E chegada finalmente a hora de regressar á realidade, deixa-me lá ir beber o meu café ao Chico, que o tempo não pára, a vida não pára, o pensamento não pára e, como dizia o poeta… o mundo pula e avança.
DESESPERO Jorge Fernando com Dino d'Santiago e Vrgul dos Nu Soul Family Mais um disco, o 12º, de Jorge Fernando - "Chamam-lhe Fado" e foi editado no dia 10 de Setembro de 2012. Jorge Fernando, que foi compositor e guitarrista de Amália Rodrigues e que escreveu dos mais belos fados interpretados por Amália, Mariza, Ana Moura, Fábia Rebordão e Fernando Maurício, é uma figura vital para o Fado em Portugal. Este "Desespero" é absolutamente fantástico e foi uma excelente escolha para singlede apresentação do disco, contando com a valiosa participação de Dino d´Santiago e Virgul, dos Nu Soul Family. ilherme Banza. A letra: De-ses-pero... o mar turva-se aos meus olhos Porque o céu amua com a terra e entristece De-ses-pero... roça a minha fantasia A língua da serpente e o meu céu não amanhece Rasga a seda do meu sonho Toma-me em teus braços nos instantes do delírio Rasga o ventre do teu dono Com a sinfonia nos compassos do martírio Salva-me... Amor salva-me Estrela sensual que o meu céu seduz Amor salva-me... Vem e salva-me Olhar tropical que ao meu olhar dá luz Mente se quiseres porque é premente entre a gente
e salva-me Dou o quanto baste pra que a vida não te afaste
e salva-me
De-ses-pero... mordo a minha consciência Em três Avé Marias // onde salvo a existência Desespero (Desespero...)... estendo a minha cobardia Nos lençóis de linho onde existe... a tua ausência Sopra o vento E o pensamento teima em persegui-lo num perfeito desatino Roda o tempo E o coração aceita as leis da vida, indiferente ao seu destino hei! hei ...hei!.. ooh Salva-me... // come on baby Amor salva-me // my love save me Estrela sensual // you're my star, my star que o meu céu seduz // (uu..uú....) Amor salva-me... //my love save me, save me, save me Vem e salva-me // come and save me Olhar tropical (o-lhar tro-pi-cal) que ao meu olhar dá luz (é..é..éii...)
Salva-me... (sal-va-me, sal-va-me...) Amor salva-me //Pleeease Save me Estrela sensual (ooh) que o meu céu seduz (yeah that's right, that's right...) Amor salva-me... (oooh) Vem e salva-me (c'mon and save me...) Olhar tropical... que ao meu olhar dá lu..úúúúúúúúúz...)
Um belo dia acordamos... e de repente, tudo mudou nas nossas vidas. Tudo o que vivemos em décadas pode deixar de ter significado, num segundo.
Por vezes, é também nesse mesmo segundo que damos importância ás insignificâncias da vida... aquelas que nos podiam ter feito felizes se não nos tivéssemos tornado apenas espectadores da nossa própria história.
Meros observadores perdidos no turbilhão frio em que subitamente se revela o caminho percorrido.
É nesse segundo que tomamos consciência do tempo perdido, esquecido... do tempo que não retorna....
Das esperas inúteis, dos nós na garganta, de todas as vezes em que engolimos sentimentos apenas e só por medo... das vezes que escondemos a raiva, a injustiça, a humilhação e que também nos escondemos atrás de máscaras.
Por instantes ficamos presos a esse segundo, desejando ter vivido intensamente todos os segundos do passado, sorver sofregamente os do futuro... menos esse... que nos prende irremediavelmente ao presente.
É que tudo muda de repente...
É preciso não esquecer.
Paula Abreu
(a ouvir Tom Waits e a assistir diariamente á queda dos valores certos agora trocados por incertezas)