quinta-feira, 23 de maio de 2013

Georges Moustaki - Ma Liberté // R.I.P. (texto original)

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R. I. P.

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Conta-me tudo 


São onze e meia da noite e faltam apenas onze dias. 
Cada vez que leio o mote, lembro-me de ti e sinto o peso da vontade de fazer o que é mais sensato: voltar a esquecer-te depressa. Mas não. Eu não domino a vontade de te poder pedir que me digas o que as tuas máscaras escondem. E sendo assim... 

Conta-me tudo. Mas não me digas o que quero. O que espero. Diz-me apenas a verdade mesmo que ela doa. Fala-me do sentimento, do arrependimento, das borboletas no estômago, das horas inquietas que antecediam o tão esperado momento em que nos tínhamos.  
Conta-me do que sentias. Conta-me do primeiro beijo, daquele que me roubaste ao pé do mar, inesquecível. Tão inesquecível como a tua boca macia e o teu desejo. 
Diz-me se te lembras da mesma história que eu, se planeavas um fim ou apenas te limitavas a viver o momento inconsequente e louco... Pleno e belo de tão louco. 
Conta-me tudo sem rodeios nem outras palavras que não sejam apenas as que te saiam do mais fundo da alma. Como se tivesses corrido sem parar e agora á tua frente apenas esteja o infinito e para trás não possas voltar. São essas as palavras que quero ouvir, porque em tempos corri ao teu lado e, se merecesses, talvez tivesse saltado contigo, abraçada a ti e á tua liberdade quando voas. 
Gostava de saber se te lembras de me puxar para ti, com doçura. Estavas tão confiante como nervoso e eu igual. Olhavas-me com aquele olhar intenso da descoberta, do desejo e esse olhar pedia-me. Isso mesmo, pedia-me. Todos os teus gestos me gritavam em silêncio ordens para me libertar das amarras que adivinhavas á minha volta, todos os teus olhares me despiam e o teu toque incendiou-me nessa tarde fria de outono e transformou essas amarras em fios de cabelo frágeis. Tu ofereceste-me a tua verdade nessa tarde. Sem máscaras.  
Fala-me do que sentiste quando me viste chegar e atravessar a ponte. Os meus olhos viam tanta gente mas só te procuravam a ti, saudosos dos teus e senti-me pequena quando me abraçaste no meio da rua, ao pé do rio, com tantos incógnitos que passavam indiferentes àquele gesto simples. Indiferentes a nós, permitindo-nos com essa indiferença, sermos um do outro nesse breve instante e experimentar a maravilhosa sensação da entrega. Por momentos só existias tu, mais ninguém, e senti cada batida do meu coração, acelerada, movida a paixão tão intensa como proibida. O mundo girava ao compasso dessa batida tão rápida e eu sentia-me tonta, inebriada. Deixava a minha alma fugir constantemente da realidade nítida e morna para aquele plano turvo e ardente onde todos os meus atos, por mais loucos que fossem, eram inconsequentes e só meus. Só meus, e tu, só meu.  
Pela primeira vez desde há muito tempo, consegui sentir-me novamente pequena nesse abraço, e isso, soube-me bem.   
Foi nessa nossa Veneza, tão perto e tão longenum prazer sem fronteiras… num “quase amor” preso na paixão desmedida do momento, sorvendo dos teus lábios um doce mel e mergulhando nos teus olhos o meu ser, que me tornaste livre para lá das pontes, dos rios e de todas as distâncias, que mais te amei. 
Se por loucura me entreguei, mil vezes louca. E se, por este pecado, vier a arder no inferno, mil chamas me consumam, pois que tudo o que faça a vida pulsar dentro de mim, vale sempre a pena.  
Fala-me do mar, de caminharmos de mãos dadas, de sonharmos vidas proibidas que sabíamos impossíveis. Fala-me dos ciúmes. Das conversas de fim de dia, das loucuras partilhadas. Dos limites. 
Diz-me, se pensavas em mim nas horas mortas dos teus dias, nos intervalos da vida rotineira de tantas histórias repetidas e passos contados. Se me deixavas surgir num pensamento rebelde. É que a mim, escapaste-me muitas vezes num sorriso, num olhar ausente, quiçá perdido numa memória doce.  
E se alguém então perguntasse: 

- Em que estás a pensar? 

Eu logo, muito rápido, mentia: 

- Em nada... 

Em nada, em tudo, em sim e não e dúvidas e perguntas e certezas e vou, não vou, sou mais uma, sou tudo, sou nada... Já não sei quem sou nem do que sou capaz. Diz-me tu, conta-me tudo e permite-me encerrar esta história de uma vez e arrumar o livro naquela prateleira, a mais alta, sabes? A que fica bem lá em cima, bem lá ao fundo, naquele canto onde raramente mexo. 
Conta-me se no primeiro espelho também viste refletida uma inocência, uma alma nua e ferida que tentava amar-se de novo. Um corpo procurando certezas. Foi o que eu pude sentir. Mas nos últimos mil espelhos… nem me reconheci. Que viste tu refletido nessas imagens? Talvez certezas amargas de quem nunca mais volta. De quem saltou de um abismo e se esqueceu de abrir as asas na altura certa. Talvez um ser sem alma que não é preciso amar para possuir.  
Mas era. Era preciso amar. Era preciso amar, era preciso amor, amores calados, gritados, escondidos, amores contados, mas amores.  
E por isso te peço, que me contes onde foi que te perdi se a minha vontade era encontrar-te. Conta-me das caixinhas onde se arrumam emoções, sentimentos e desejos. Onde se escondem segredos. E explica-me o que fazes para as manter fechadas que eu não consigoEnsina-me como se vivem tantas vidas numa só, sem esgotar a alma. Se o segredo é mesmo não sentir, ou se há mais segredos escondidos. Se pensas que ninguém te lê nas entrelinhas ou se finalmente entendeste a tua própria magia. Eu vi essa magia e por ela superei as tuas falhas. Conta-me da tua fraqueza por não superares as minhas. Vidas imperfeitas. Seres imperfeitos. Laços. 
Laços e não nós. Lembras-te? 
Porque voltas? Porque teimas em ficar? Talvez saibas o que eu mais quero esquecer. Conta-me tudo! Sem máscaras… E deixa-me contar-te do tanto que me magoaste e do tanto que já te perdoei. 
         
Paula Abreu
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