terça-feira, 27 de novembro de 2012

A Hora de Almoço (ao som de We Can Do Anything - Gabriel Flies feat. Mikkel Solnado)

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A Hora de Almoço


O almoço é solitário na salinha pequena do escritório. Fui eu que o fiz ontem á noite. Deixei tudo preparado e mais uma pêra para o lanche que a vida não está para restaurantes. Dou inicio ao "banquete" e procuro no saco, o livro que me anda a fazer companhia, quando cai ao chão, o marcador. Pego-lhe e releio uns rabiscos que lá escrevi um dia destes:

“Bocas que ofendem, que pecam, que beijam
Que murmuram um credo...
Mãos que afagam, que abraçam, que tocam
Ou que batendo no peito, assumem:
Minha culpa, minha culpa, minha tão grande culpa”

Palavras soltas á espera de um início e de um fim, se estes se resolverem a surgir, caso contrário continuarão a ser apenas, uns rabiscos num marcador de livros.
A seguir ao almoço gosto de ir dar uma volta pela Vila. Está frio e sabe-me bem o casaco quente e o cachecol assim como me sabe bem cumprimentar várias pessoas com quem me cruzo pelo caminho. Nesta terra não há solidão. Reparo na montra do fotógrafo e dá-me vontade de rir, quando a vejo cheia de fotos de noivas em poses sexy, com olhares lânguidos e pernocas á mostra mostrando a liga… tudo muito sexy para vestidos tão brancos e puros. Esboço um sorriso que não consigo conter quando o fotógrafo, já entrado na idade, me acena educadamente da porta:
- Boa tarde, menina. Está frio não está? 
Passam-me as coisas mais incríveis e cómicas pela mente - esta mente que não domino. 
– Está sim senhor!
E ele fica a olhar com aqueles olhinhos pequeninos e brilhantes, algo maliciosos até. Livra! Se me casasse agora não o queria para repórter fotográfico – penso eu divertida – ou talvez sim.
Olho em volta, sinto o burburinho, cheiro o frio e aconchego-me um pouco mais no casaco. "Isto é bom" – penso eu. E dou comigo a valorizar o presente. Constato que este povo que tanto aprecia criticar, quase como se fosse dono da verdade, nem se permite apreciar o que tem, limitando-se a temer um futuro cada vez mais incerto e apoiando-se num passado cada vez mais longínquo e turvo, cheio de nevoeiro denso e sem Reis salvadores perdidos lá dentro.
Torno a olhar a montra das fotos mas desta vez já só vejo a esperança nos olhos das modelos noivas.
E chegada finalmente a hora de regressar á realidade, deixa-me lá ir beber o meu café ao Chico, que o tempo não pára, a vida não pára, o pensamento não pára e, como dizia o poeta… o mundo pula e avança.

Paula Abreu
Texto original que escrevi em 25/11/2012

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